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Dicas de Saúde / Psicologia
 
O Bode do Sr. Odilton
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No artigo da semana passada, em que abordei a importância das crianças brincarem livremente para a formação de um adulto mais satisfeito, disse que existe um grupo de crianças que atualmente possui muitos brinquedos, mas que em contrapartida brinca muito pouco. Por quê?

Buscando essa resposta, gostaria de compartilhar um e-mail que recebi do leitor Odilton Ribeiro da Silva: “Tenho setenta anos. Brinquei até os 10/11 anos, numa humildade que você mal pode imaginar. Meu primeiro presente de Natal foi lá pelos 6 ou 7 anos, um ioiô daqueles de elástico que já não vejo mais. Brinquei com ele menos de 10 minutos; minha curiosidade levou-me a procurar saber o que tinha dentro. Com as unhas, rompi a bolinha, que era envolvida por um tipo de papel, creio que celofane e minha decepção foi imensa: havia lá dentro apenas pó de serra de madeira.

Não me lembro de ter recebido outro presente a não ser roupas, de meus pais. Estas coisas me eram dadas nas ocasiões especiais como presentes, os quais, na verdade vinham apenas para suprir as minhas necessidades. Ainda assim fui muito feliz, brinquei muito. Os brinquedos eram produzidos por mim e meus colegas, igualmente pobres.

Esconde-esconde, cobra-cega, pique, salva, passa-anel, lutas, corridas, caça com estilingue. Os carrinhos nós os fazíamos de carretel de linha de costura, madeira e latinhas de sardinha. Por volta dos 10/11 anos tive um bode e um carrinho. Eu punha o bode a puxar o carrinho, entrava dentro dele e andávamos pela redondeza. Eu amava aquele animal.”

Muitos pais e avós se identificaram com as brincadeiras descritas pelo Sr. Odilton: jogos baratos que exigiam criatividade, faziam suar e eram melhor quando brincados em grupo. Um tempo de poucos brinquedos, pouco acessíveis, pois não havia a possibilidade de crédito, farto hoje dia para quase todos. Ou algum pai que tem mais que setenta anos hoje financiou brinquedo caro em dez vezes para dar ao filho pequeno? Definitivamente, brinquedo era para poucos e criança tinha que se divertir com o que tinha: seu corpo, sucata e muita criatividade.

Pode parecer sem conseqüências, mas não é. Quando criam seus filhos, muitos pais esquecem que estão formando um adulto e suas atitudes serão fundamentais nesse processo. Por exemplo, ninguém aprende a ser esforçado na escola na juventude, isso começa com exigência e cobrança dos pais desde cedo. Diariamente, os pais atuais são excessivamente complacentes com os filhos e depois se perguntam por que eles se tornaram jovens acomodados, sem atitude de gratificação imediata.

O excesso de brinquedos está diretamente associado à falta do brincar criativo, primeiramente porque muito brinquedo já vem pronto, fazendo tudo sozinho em um excesso de sons e luzes que não deixa espaço para manuseio ou criatividade. Outro dia, uma criança pegou um bonequinho de brinquedo e me perguntou o que ele fazia. Eu disse que nada, nós é que fazíamos com ele.

Hoje é assim, as crianças esperam que os brinquedos “se brinquem” espetacularmente. Quanto mais simples o brinquedo, maior a exigência criativa de quem o manuseia. Em segundo lugar, o excesso barra o desejo, ferramenta fundamental no brincar. O humano produz mediante a falta e qualquer excesso gerará acomodação: muito tempo traz preguiça, muito dinheiro traz irresponsabilidade, muito brinquedo traz apatia.

Esse grupo de crianças que não conhece rua, árvore, nunca ralou um joelho, arrancou tampão do dedão do pé, fez roupa de boneca, bateria com tampa de panela ou bolo de barro tem se tornado um adulto menos criativo e resiliente que as gerações anteriores, lidando muito mal com frustração e coisas que necessitem de uma “sacudida”.

Melhor ou pior? Difícil saber, pois essa resposta é de cada um, dependendo do curso da vida e dos valores dados ao que temos hoje e não tínhamos ontem. Apenas duas certezas: nada é sem conseqüência e os avós de hoje, como o Sr. Odilton, até invejam a destreza de seus netos com toda parafernália eletrônica hoje disponível em até dez vezes sem juros, mas também constatam que, quando eles foram crianças, mesmo com mais dificuldades (e sem cartão de crédito), sorriram mais.


* Renata De Luca é psicóloga, especialista em psicanálise de crianças e de adolescentes pela USP, membro da Sociedade Brasileira de Pediatria. Contato: renatadeluca@uol.com.br
 
Fonte : Dra. Renata De Luca Publicado : 25/01/2011
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