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O mundo tem voltado os olhos para o crescimento acelerado da China, potência que ameaça dominar o planeta e que tem tirado o sono de muitas pessoas com medo de perder o bonde para esse país de gente tão disciplinada e esforçada e que parece fabricar tudo que chega em nossas mãos. Se antes o medo era apenas do Made in China , agora ele se alastrou para todos os grupos, de governantes a cientistas candidatos ao Prêmio Nobel.
Recentemente, crianças e adolescentes de vários países participaram de uma olimpíada estudantil respondendo questões sobre ciências, leitura e matemática. Os chineses chegaram em 1° lugar e os brasileiros em 53°.
E um livro lançado nos Estados Unidos veio jogar mais areia no incômodo momento pelo qual passa a economia norte americana, gerado pela perda de poder em várias áreas, mais especificamente em uma que fará toda a diferença no século XXI: a educação. Trata se de Battle Hymn of the Tiger Mother , da professora de direito da Universidade de Yale, Amy Chua, filha de imigrantes chineses. Em uma tradução livre, teríamos algo como Hino de Batalha de uma Mãe Tigresa .
Nesse livro, Amy conta que educou suas duas filhas, Shofia e Louisa, seguindo os princípios da educação chinesa e logo na primeira página, resume seus dez mandamentos. Suas filhas nunca puderam: 1) dormir na casa das amigas. 2) sair com os amigos. 3) participar de uma peça da escola. 4) reclamar por não participar de uma peça da escola. 5) assistir TV ou jogar videogame. 6) escolher suas próprias atividades extracurriculares. 7) tirar qualquer nota que não fosse dez. 8) não ser a primeira aluna da turma em qualquer tema, exceto educação física e teatro. 9) tocar qualquer instrumento que não seja piano ou violino. 10) não tocar piano ou violino.
Todas essas regras foram seguidas com extrema disciplina e qualquer desvio era passível de severas punições. Uma das táticas de incentivo era chamar as filhas de lixo quando não tiravam nota dez. Uma das suas constantes frases frente aos questionamentos das filhas era: Meu objetivo é te preparar para o futuro, não ser amada por você .
Em entrevistas para falar do livro, Amy diz que exigia extrema obediência das filhas e que no ocidente, a obediência é um termo associado aos cachorros . Outra diferença entre a educação chinesa e a ocidental apontada por ela, diz respeito à auto estima das crianças: os pais ocidentais enchem as crianças de elogios e preocupam se com o excesso de cobranças. Já os chineses consideram os filhos fortes e os pais têm a obrigação de exigir o melhor deles . Mais uma diferença: os filhos chineses devem tudo para os pais e devem trazer orgulho para eles; já nas famílias ocidentais, temos a impressão de que são os pais quem devem tudo aos filhos e isso gera filhos mimados e acomodados em uma falta de esforço .
Assim como vocês devem estar estarrecidos com as revelações (ou parte delas) de Amy, toda imprensa (inclusive uma parte da chinesa) também ficou e desde seu lançamento, o livro provocou inúmeras e ricas discussões e aí vem a pergunta: quem está com a razão? Qual modelo de educação dá mais certo? C
Certamente, em ambas, existem conseqüências boas e ruins. A rigidez chinesa ajuda no surgimento de gênios determinados e disciplinados que ocuparão os primeiros lugares nas melhores universidades, mas também produz uma das mais altas taxas de suicídio do mundo, pois entre perder a vida e se expor à vergonha, muitos orientais preferem a primeira opção.
Mas que esse livro chacoalha os permissivos pais ocidentais, não há dúvidas, ao mostrar que mimar os filhos como se eles nunca fossem crescer, produz gente acomodada e a falta de disciplina e esforço resulta em mediocridade. Sem novidades.
Nosso desafio é o velho nem tanto ao céu, nem tanto à terra . Talvez tenhamos que fazer como o sol, que transita do oriente ao ocidente todos os dias.
RENATA DE LUCA é psicóloga, especialista em psicanálise de crianças e de adolescentes pela USP, membro da Sociedade Brasileira de Pediatria. Contato: renatadeluca@uol.com.br |