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Dicas de Saúde / Psicologia
 
Em Um Mundo Melhor
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Com todos os méritos, a produção sueco/dinamarquesa Em um Mundo Melhor (Haevnen, de Susanne Bier), ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro desse ano. Talvez não venha para as telas grandes daqui, mas é tão bom que vale a pena buscá lo, principalmente para quem enxerga na arte uma possibilidade de compreender melhor alguns dilemas da vida.

A história do filme acontece em dois ambientes bastante distintos: em um acampamento africano e em uma pequena cidade sueca. Quem costura esses dois lugares é o médico Anton, cuja família vive na Suécia e ele trabalha no grupo dos Médicos sem Fronteiras na África, atendendo entre outras tristezas, jovens esfaqueadas por homens de uma facção dominante, como parte de um jogo de apostas feito por eles. Na escola, o filho de Anton, Elias, está sofrendo bullying. Apelidado de cara de rato por uma turma de valentões, tem o pneu da sua bicicleta esvaziado todos os dias, leva tapas na cabeça e é vítima de sarcásticas gozações. Elias esquiva se, mas não revida, até que conhece Christian, um novo aluno, que revidará por ele, dando uma lição nos valentões.

A escola não consegue tomar qualquer medida efetiva contra o bullying e transfere a responsabilidade para a família, caindo naquele discurso muito comum hoje em dia: Elias se isola, não reage. Deve ser porque o pai é ausente, viaja muito e também têm os problemas familiares de vocês, que estão se separando , dizem os professores para os pais de Elias.

A primeira lição do filme já ocorre aí: quando uma instituição falha, seus membros buscam soluções isoladamente. A escola falhou em ações para acabar com o bullying; não pensaram em monitorar os ambientes ou colocar bedéis nos locais onde reiteradamente as agressões aconteciam, nem em fazer valer o código disciplinar para os agressores e sua platéia. Jogou para a família, que fez o que qualquer família orientada poderia fazer, conversou com o filho, mas não poderia fazer algo mais contra isso, visto que atitudes deveriam ser tomadas dentro da escola, em primeiro lugar.

Essa ineficiência da escola deu margem às crianças buscarem justiça com suas próprias mãos e darem uma lição no chefe dos valentões. Isso funcionou e as agressões cessaram, mas levaram a um problema muito maior: a lição que Christian e Elias tiram daí é que agressão se resolve com uma agressão maior e eles levam essa fórmula para o mundo dos adultos, causando problemas muito sérios.

Anton tenta ensinar outra coisa para o filho, que não devemos responder às agressões na mesma moeda, pois é assim que as guerras começam . Apanha na cara de um bronco e não revida, dizendo para os filhos que se batesse de volta, seria um idiota como ele. Mas, os meninos não concordam com isso e partem para a revanche. Christian, que acabara de perder a mãe vítima de câncer, põe toda sua dor aí, pega a causa do amigo para si e tenta destruir tudo que vê pela frente. Uma segunda lição do filme: a dor quando não é compartilhada traz mais sofrimento e os sentimentos quando não são falados levam ao distanciamento e a ações equivocadas.

Quando temos uma grande mágoa, devemos esbravejar, falar dela e encará la de frente. Virar as costas para ela faz com que falemos por outros meios: adoecendo ou deslocando nossas ações para outros cenários.
O ponderado e passivo Anton tem suas convicções ameaçadas no acampamento africano, ao se confrontar com o sadismo e com a falência total das leis, onde pode mais quem tem uma arma de fogo. E a pergunta que fica é: em algumas situações se justifica fazer justiça com as próprias mãos? Até onde vai nossa ética quando somos agredidos? Anton recebe como paciente o chefe do bando que esfaqueia as mulheres e fazendo jus ao juramento de Hipócrates, cumpre sua obrigação como médico, mas a certa altura tem a opção de jogá lo aos lobos, sedentos por vingança. O que fazer? O que faríamos no seu lugar?

Existem situações na vida onde tropeçamos na nossa ética, quando somos ameaçados ou agredidos, por exemplo. Por mais que nos preparemos e que estejam enraizadas em nós algumas convicções, podemos nos surpreender com nossas próprias atitudes. Eventualmente, não precisa de susto, nem tratamento. Só vai deixar o travesseiro um pouco mais amassado.


Dra. Renata De Luca é psicóloga, especialista em psicanálise de crianças e de adolescentes pela USP, membro da Sociedade Brasileira de Pediatria. Contato: renatadeluca@uol.com.br
 
Fonte : Dra. Renata De Luca Publicado : 24/03/2011
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