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Substâncias liberadas durante prática do exercício levam a querer sempre mais: equilíbrio é fundamental
O começo pode ser apenas andando. Mas, assim que o fôlego permite, as passadas se tornam mais amplas e a vontade é de ir mais rápido. E da caminhada para a corrida é, literalmente, um passo. Dos poucos quilômetros iniciais, alcança se outras marcas: quem pratica corrida está sempre em busca de mais. Não só pelos benefícios para a saúde, mas pela relação com o prazer tanto que a atividade chega a ser chamada de viciante . Seria esse um vício do bem ou a atividade pode trazer algum malefício?
O neurocirurgião Breno Ferraz, de Londrina, explica que na corrida, a reação do organismo é liberar endorfina, uma espécie de anestésico natural, que vai gerar a liberação de dopamina, neurotransmissor diretamente ligado à sensação de prazer. Tudo aquilo que te traz satisfação é trabalhado no sistema límbico e através de um neurotransmissor bastante específico que é a dopamina , ressalta o médico, lembrando que quanto mais intenso o ritmo aeróbico, maior é a liberação dessas substâncias.
Essa reação natural faz parte do sistema de defesa do organismo, pois correr sempre foi ligado à idéia de fuga e autodefesa. Funciona assim: se eu estou correndo, vou entrar em exaustão física, e como eu preciso correr para me defender porque tem um leão atrás de mim, não posso sentir dor . É automático: a pupila se dilata, o sangue vai para aquele músculo mais requisitado para correr, e a digestão para. E como nessa hora a pessoa não pode ter dor, o corpo libera endorfina, e na sequência, dopamina. A fase seguinte, como após um orgasmo, é de relaxamento total. Esse é o mecanismo pelo qual a gente sente prazer na corrida, muito parecido com outras situações, como a alimentação , ressalta.
Buscar situações de prazer também é uma tendência natural do ser humano. Logicamente se você se sente muito satisfeito com algo, daqui a pouco vai querer de novo, vai em busca de mais da situação que dá prazer , afirma. O que segura em parte é o controle social e emocional do prazer, que a sociedade impõe.
Mas dá para falar em vício? Segundo o médico, de certa forma, sim . Ele lembra que pelos menos dois motivos levam o indivíduo a praticar atividade física uma saúde boa e a beleza física. Chega um momento que aquilo te causa tanto prazer, associado ao lado emocional, pois aquilo te fez ficar ótimo (física e esteticamente) e vai ficar melhor ainda, que a pessoa vai perdendo o controle, e aquilo vai progressivamente causando uma dependência , explica.
A linha que separa o bom hábito do vício, neste, caso, é a perda do controle social e emocional do processo. Ferraz lembra que a corrida é saudável também do ponto de vista emocional porque a pessoa passa a fazer parte de um grupo, faz amigos, e tem tempo para pensar em si mesma, quase meditar, pela concentração que a atividade impõe. Mas, quando passa a resolver seus problemas só quando estiver correndo, ou só se sente feliz assim, aí vira doença.
Para chegar a uma compulsão é preciso que exista uma base química alterada no cérebro. Uma propensão biológica que pode ser despertada pelo fator ambiental. Por isso há os que chegam ao vício, a ponto de no dia 24 de dezembro à noite sair para correr, e aqueles que convivem numa boa com esse prazer. O tratamento desse tipo de vício inclui medicamentos, uma boa terapia, e talvez, opina Ferraz, a revisão de um fator social: o culto moderno ao corpo.
"Chega um momento que aquilo (correr) te causa tanto prazer, associado ao lado emocional, pois te fez ficar
ótimo (física e esteticamente), que a pessoa vai perdendo o controle"
Matéria enviada pelo nosso colaborador:
Dr. Arnaldo Contini Franco , CRM 33881 |